Diante da dor dos outros - um devaneio

Inspirada por minhas últimas leituras  - alguns acontecimentos e animes - tenho devaneando muito mais. Talvez por escolha? Esforço? Instrumento para escapar das bolhas?
 No post anterior é possível ver o quanto tenho refletido. Como cunhei a antropofagia de mim mesma.  E sabemos que é complicado fugir de nós mesmos, então considere esse rascunho como um ponto de vista, um olhar sob a sociedade. Um ponto de vista deturbado? Talvez. Mas é importante considerar essa tentativa de expressar as mil vozes que pururulam e se reproduzem em minha mente. Darei uma oportunidade a essas vozes para declamar sua dor, prisão e solidão.





Nos últimos dias, uma morte, o início da leitura de um mangá e a redescoberta de um livro da autora Susan Sontag trouxeram algumas verdades desagradáveis: a insensibilidade de algumas pessoas diante do sofrimento dos outros.


Não somente a morte em si, crua, fria e incisiva, por si só já abusiva,embora natural, contudo a capacidade de alguém puxar o celular, e 'atirar' uma fotografia nas redes sociais, desejando atenção ou egocentrismo. Mesmo havendo boas ações tem um poço de razões obscuras. Se é que há.
Para alguns torna-se fácil se  aproveitar de outro para alcançar o almejado. É errado chafurdar nos mortos? É errado...?
Errado e certo é um modo de enxergar o mundo de forma bipolar. Uma forma de tornar o complexo em simples. Uma forma de transformar a vida com suas singularidades em simples palavras, adequando-as, cortando-as, disciplinando-as as nossas necessidades. Tentando adequar o mundo as nossas vontades, "já que tudo está aqui para nos servir".
É este desejo de categorizar e organizar que se baseando em Descartes, branda que o mundo é apenas um relógio, esquecendo que há mais mistérios no universo do que sonha nossa vã filosofia.

Essa busca de organizar antropocentricamente causa a falta de empatia, provavelmente o grande mau da sociedade desde tempos imemoriais. Mas como saber de sua falta? Não temos maneira de descobrir os recônditos de uma mente.
Não serão suas ações a resposta? E a foto é o objeto que prova a distância e despersonalização criada, seja para não sentir, ou mesmo porque já não sente nada. O mal e a violência estão banalizados. O mundo se metamorfoseou em superficialidade; metamorfoseou em papel em branco, tábula rasa que nos impede de sentimos. Falhamos na capacidade de sentir. Só sentimos quando há algo que nos enreda em suas teias?
Criamos uma distância intransponível, um abismo sem fim com o outro. O outro transformou-se em outro ser, diferente, inumano, sem vida, massa disforme. A relação eu-tu escorreu, nem isso, uma relação mais próxima, mas como uma babel.

Barulho, barulho, gritos, vozes se interpondo uma sobre a outra, falando, não se ouvindo. Ainda assim silêncio e o tique-taque apressando e desligando. A insistência da corrida. A modernidade liquída? Será apenas uma adequação, uma escolha melhor  para sobreviver? Então talvez o egoísmo de se imortalizar, deixar seu legado, contra o bem coletivo? Sempre sobreviver... Os meios justificam os fins?

Seremos como extraterrestres de nós mesmos e dos outros?

Parece que haverá eternamente uma luta contra a inexorabilidade da indiferença. Uma luta desde há muito existente e pulsante nas veias, sangrante, sobrevivente em nós. O próximo passo pode levar a verdadeira evolução humana, uma invenção? Uma utopia? Certas coisas pareciam magia e impossibilidades e agora vivem. Pode ser apenas um sonho para melhor encarar a  realidade? A verdade é que somos idealistas, e qual seria a graça da vida em nega-se a sonhar? Se permita imaginar.




Susan Sontag          
Companhia das Letras, 2003
Graças à televisão e ao computador, imagens do sofrimento são apresentadas diariamente pelos meios de comunicação. Mas como a representação da crueldade influencia as pessoas? Discutindo os argumentos sobre como essas imagens podem inspirar discórdia, fomentar a violência ou criar apatia, a autora evoca a história da representação da dor dos outros - desde 'As desgraças da Guerra', de Francisco Goya, até fotos da Guerra Civil Americana, da Primeira Guerra Mundial, dos campos nazistas de extermínio, além de imagens contemporâneas de Serra Leoa, Ruanda, Israel, Palestina e de Nova York no 11 de setembro de 2001.”


Anime

"Gantz"



Um anime à primeira vista divertido e superficial, mas denso por trazer questões como a insensibilidade e o desejo do ser humano por imagens mórbidas - algo até comentando por Aristóteles em A Poética.
A premissa ou resumo pode enganar ao primeiro olhar, embora já desde o início mostre um teor violento e sexual - que combina perfeitamente com a atmosfera tensa que a obra oferece.
Não é uma animação para todos os públicos, mesmo o adulto, o real foco. É de difícil digestão. Entretanto, caso consiga digerir, remoa diversas vezes e talvez não veja a sociedade da mesma forma. Quem sabe esse será justamente o gatilho para a quebra da glacial indiferença.



(Poema Retrato de Cecília Meirelles)




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