A Metamorfose: o conflito dos eus

Olá my dears, mein lieber! Quanto tempo sem dar as caras aqui, hein? Bom, depois de enfrentar um começo de ano exaustivo, por causa da faculdade, agora estou de "férias". Sim, minhas férias são atrasadas... Sem mais, hoje eu decidi trazer a resenha de A Metamorfose de Franz Kafka que escrevi para um trabalho do curso. 

Eu posso ter divagado e me perdido em diversas partes, mas a novela de Kafka é uma espécie de viagem, diria até autobiográfica do autor. E pode ser preciso ter leituras complementares. Exatamente por causa desse motivo, irei recomendar uma biografia dele no final, caso você queira ler a obra com diversos olhares, não só se prendendo ao texto contido nela, porém buscando mais informações, como os aspectos externos e os internos que a influenciaram. Além disso, observando que o autor não buscava só escrever o mundo a partir dele mesmo, mas escrever um retrato do mundo. Ou seja, pode-se tirar diversas interpretações: a razão de A Metamorfose ser atemporal. 

Depois dessa introdução, vamos a resenha. 

Boa leitura!
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(A Metamorfose da editora Companhias das Letras de 2006, traducão de Modesto Carone)



Gregor Samsa acorda depois de uma noite intranquila, metamorfoseado em um inseto monstruoso, mas ao longo dos parágrafos seguintes da novela, não demonstra grande preocupação a esse fato, pelo contrário, preocupa-se mais com o seu trabalho de caixeiro-viajante, pois resolverá a dívida de seus pais.
Ele renega a sua metamorfose, mesmo depois da família e seu gerente vê-lo — acidentalmente — nesse estado. E essa recusa pode se dever ao fato de que Gregor aceita sua nova condição com aparente indiferença, porque já era assim, ou porque era apenas uma mudança temporária e talvez comum a todos.
“ […] Gregor tentou imaginar se não podia acontecer também ao gerente algo semelhante ao que havia sucedido hoje com ele; de fato era necessário admitir essa possibilidade. […].”
 Ou mesmo aceita como se o seu eu não importasse, afinal de contas, ele era insignificante para a sociedade, e pior, para sua própria família, já que depois de se atestar sua inutilidade para a renda familiar, suportam e escondem sua existência no seu quarto, que agora serve para livrar tudo que já não usam, mas não podem vender ou jogar fora. E ele como as coisas, se tornou um estorvo, algo que já não servia para o uso familiar. Ou seja, mesmo antes da metamorfose, Gregor era um inseto, sem valor, o que atesta o porquê de sua aceitação sem revolta ou mais indagações.
E o que torna a narrativa, de certa maneira verossimilhante é o impossível que se torna real. No decorrer do texto e principalmente após a afirmação "não era um sonho", há um conjunto de elementos que habituam ao fato inconcebível da metamorfose. Visto isso, não leva muito tempo para o foco ir para outras questões e acabarmos esquecendo de perguntar o porquê da transformação do protagonista. Além disso o narrador frio, imparcial e distante, auxilia nessa atmosfera realista e abrasadora, por ter o papel de jogar o leitor em um mundo baseado no cotidiano, contudo com um toque do maravilhoso. E esses são alguns recursos — se não, os principais — de Kafka para mostrar que sua obra não é incompreensível ou uma simples fábula.
Há diversas interpretações de A Metamorfose, e uma das mais interessantes e digamos mais condizente com as pretensões do autor, é a de que seria um espelho das famílias e suas relações, às vezes limitantes para os indivíduos. E isso pode ser apontado claramente, em diversas passagens, como a seguinte:
“ [...] Se não me contivesse, por causa de meus pais, teria pedido demissão há muito tempo [...]."
A família de Gregor seria então a única razão para ele aguentar o emprego insatisfatório que possuía. E também para negar os seus desejos, ou o que ele era. Esse não seria um quadro bastante real sobre as condições de trabalho, muitas vezes desumanizadoras a que muitos se dispõem para a sua sobrevivência e a de seus parentes? O trabalho, como diz o ditado, dignifica o homem? Ou seria só uma forma de negar o seu próprio eu?
Além dessa interpretação, pode-se inferir outra: a presente obra, não trata de relações familiares "comuns", porém de relações de famílias que convivem com parentes enfermos. Quem enfrenta isso, tenta cuidar do doente, no entanto, em algum momento já não suporta ter de se doar e perder muito de si mesmo; não suporta ter que esconder a "fraqueza" que desfaz a harmonia familiar. E esse peso carregado por muito tempo, explicaria o alívio e a busca de descanso dos Samsas no final.
São muitos os elementos, além do narrador e as sequências da história, que ajudam na sua construção e no seu desenvolvimento. O lugar onde ocorre as ações é um dos personagens-chave, porque revela muito sobre a personalidade das personagens e o próprio desenrolar dos acontecimentos. O quarto de Gregor, por exemplo, é o limite estabelecido entre a relação familiar presente e o passado que evitam e escondem. A única — além da empregada — que transpõem a fronteira entre a parte conhecida e a desconhecida — representadas na figura do inseto; agora um estrangeiro — é a irmã de Gregor, Grete. Embora a ruptura final, enfim abra um abismo intransponível entre os dois lados.
Quando o irmão-inseto de Grete, expõe o "segredo" da família aos inquilinos, mais uma forma que a família Samsa pensou para conseguir dinheiro, eles decidem não carregar mais o fardo e retiram sua humanidade. O antes homem-inseto se torna inseto, bicho. Isso é simbolizado na linguagem: ele deixa de ser tratado com o pronome ele e passa a ser tratado com o isso, como uma coisa. Sua humanidade fora destituída e o que sobra é sua consciência. E o tempo é psicológico justamente porque segue o seu ponto de vista; sua consciência, que continua mesmo depois da sua metamorfose.

Diante do que foi exposto até aqui, é perceptível que A Metamorfose é uma obra abrangente e que abre a mente para diversas reflexões, que uma primeira leitura não vislumbra, afinal a construção Kafkiana de realidade e absurdo, com questões humanas, como o deslocamento do ser em seu corpo e sua incapacidade de compreender o porquê de sua própria história, é atemporal e universal. O que torna preciso mais leituras e estudos, pois Kafka não pretendia apenas inventar histórias sobre um homem que se metamorfoseia em inseto e suas complicações com a família, mas quebrar o gelo que existe entre nós.


Complemento de Leitura

A Marca do corvo 
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Biografia romanceada de Kafka, onde a autora pesquisou durante anos, para se certificar de que a fidelidade histórica não sofresse o menor arranhão. E, numa parceria equilibradíssima, aliado ao cuidado da pesquisadora sempre esteve presente o talento da prosadora. A obra de Kafka — sua linguagem protocolar, os contos fantásticos e os romances claustrofóbicos, as cartas e os diários angustiados — marcou profundamente muitas gerações de escritores. Somente uma escritora muito apaixonada por essa obra poderia realizar este cativante romance biográfico. Jeanette Rozsas é essa escritora.

Por hoje é só. Até outra hora!

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